José Ricardo Biazzo Simon* e Renata Fiori Puccetti*
Por meio do recentíssimo acórdão 31/07, o TCU abordou tormentoso tema para administradores públicos, quais despesas estariam e quais despesas não estariam abrangidas para fins de cumprimento do piso constitucional da saúde, estatuído no art. 198, § 2º, I, da CF e na LC 141/12 (prevista no art. 198, §3º, da Constituição com a vocação de disciplinar a matéria) c/c a lei 8080/90 (conhecida como lei Orgânica da Saúde).
Instado a se manifestar sobre o tema em razão de consulta formulada pelo Presidente da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, a Corte de Contas respondeu diversos quesitos, que foram sendo respondidos a partir de seu cotejo com as disposições das normas acima mencionadas.
Ao ensejo da consulta, o Tribunal tocou em um ponto de extrema relevância para administradores públicos e órgãos de controle externo, a extensão e limites do exercício da competência desses órgãos externos sobre interpretação e aplicação da lei nas hipóteses em que o legislador se valeu de conceitos vagos, plurissignificativos ou indeterminados.
É o caso da previsão estabelecida na LC 141/12, art. 3º, inciso VI:
“Art. 3º Observadas as disposições do art. 200 da CF, do art. 6º da lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e do art. 2º desta LC, para efeito da apuração da aplicação dos recursos mínimos aqui estabelecidos, serão consideradas despesas com ações e serviços públicos de saúde as referentes a: (…) VI – saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de Saúde do ente da Federação financiador da ação e esteja de acordo com as diretrizes das demais determinações previstas nesta LC;”
Duas questões foram consideradas sobre a previsão de computar gastos com saneamento básico de pequenas comunidades: primeiramente, sua relação direta, porém não intrínseca com saúde pública, autorizando-se o cômputo nas restritas e excepcionais hipóteses da mencionada LC – que elegeu um núcleo básico de questões relacionadas à saúde para tal fim – e, depois, uma abordagem sobre o que pode ou não ser considerado como pequenas comunidades.
Considerando que o legislador não definiu o que são pequenas comunidades, a Corte de Contas adverte que não lhe compete ditar o significado da expressão, criando ou impondo um conceito, sob pena de “criar” norma de competência exclusiva do legislador.
Ponderou, ainda, o ministro relator, que, muito embora lhe seja defeso estabelecer ou delimitar um conceito normativo, compete aos órgãos de controle externo avaliar a razoabilidade dos critérios porventura adotados pelos administradores públicos.
Nesse sentido, deixou de se pronunciar sobre eventual equiparação entre o conceito de pequenas comunidades e o de localidade de pequeno porte estabelecido na lei Federal 11.445/07 (Lei do Saneamento Básico), mencionando, em passant, que pode ser um bom critério, mas que se trata de hipótese de discricionariedade no âmbito da norma, que reclama interpretação da autoridade competente que é o administrador público.
Nota-se, do acórdão, que o TCU tratou de preservar a independência entre os poderes/funções da República, reverenciando a exclusividade da função legislativa pelo respectivo órgão e a discricionariedade daqueles que exercem função administrativa, reservados aos órgãos de controle externo, o exame da razoabilidade dos critérios porventura utilizados pelo administrador.
Destarte, respeitando os limites do controle externo, o Tribunal de Contas assinala que não dirá o que são – em tese – pequenas comunidades, reservando para si a competência para dizer o que não é – também em tese – e, ao exame do caso concreto, a razoabilidade do critério utilizado com certa discrição pelo administrador público.
Vale a leitura integral do acórdão.
*José Ricardo Biazzo Simon é sócio do escritório Biazzo Simon Advogados.
*Renata Fiori Puccetti é sócia do escritório Biazzo Simon Advogados.
Fonte: zeus